
Por Isabella Scorzelli e Simone Klein*
A reciclagem de sucata é vista como uma das principais estratégias para reduzir as emissões de gases de efeito estufa da siderurgia. De maneira geral, esse aproveitamento é feito por meio da produção via forno elétrico a arco (EAF), cujas emissões, em média, são de 60 a 80% inferiores às observadas na rota tradicional de alto-forno e conversor a oxigênio (BF-BOF). No entanto, como mostra o estudo The role of scrap in steel decarbonisation, essa alternativa tem limites físicos, técnicos e comerciais, o que exige que outras opções sejam contempladas na descarbonização do setor.
À primeira vista, os números relativos à sucata impressionam: globalmente, entre 80% e 85% de sucata gerada já é reaproveitada em diversos processos industriais. No entanto, somente cerca de 30% do aço produzido utiliza sucata por meio da rota EAF. Outro desafio é que a maior parte da sucata disponível apresenta contaminação por metais como cobre e fósforo, o que inviabiliza seu uso em aplicações de alto desempenho e maior valor agregado, como aços planos, inoxidáveis ou de alta resistência, exigidos por setores como automotivos e eletrodomésticos. Isso limita diretamente a expansão dessa rota de baixo carbono para além de nichos como a construção civil, onde as especificações técnicas são menos rigorosas.
Outro desafio é a disponibilidade limitada de sucata obsoleta, já que grande parte do aço permanece em uso por décadas em edifícios e obras de infraestrutura. Além disso, parte da sucata não é tecnicamente acessível ou apresenta viabilidade econômica reduzida para reciclagem, seja pela dispersão geográfica, pela contaminação com elementos residuais ou pelos altos custos logísticos.
No contexto brasileiro, os desafios se aprofundam. Grande parte da cadeia de sucata ainda enfrenta informalidade, baixa digitalização e ausência de rastreabilidade. Além disso, a tributação da sucata em muitos estados eleva seu custo, tornando-a, em alguns casos, mais cara que o minério de ferro ou ferro-gusa, uma distorção que desestimula o uso da rota EAF. Sem processos avançados de separação e controle de qualidade, a sucata brasileira não atende às especificações técnicas de um setor que precisa descarbonizar sem perder competitividade ou fica limitada a operações de baixo valor agregado. Em termos globais, o risco é superestimar o papel da sucata como solução única. Como indica o gráfico, mesmo que a produção de aço via sucata seja praticamente triplicada até 2050, no máximo vai dividir o protagonismo do setor com a produção a partir de minério de ferro.
Não existe “bala de prata” para a redução das emissões da siderurgia: além de expandir a rota EAF e ampliar o montante reciclado, é preciso acelerar a viabilização de rotas primárias de baixo carbono — como a redução direta com hidrogênio (H-DRI), o uso de carvão vegetal certificado, a eletrólise e tecnologias de captura e uso de carbono (CCUS).
Ou seja, precisamos ir além da melhoria da coleta e da triagem, investindo em rotas tecnológicas capazes de produzir aços planos e especiais com baixa intensidade de carbono mantendo competitividade e padrões internacionais de qualidade.
Sem esses esforços combinados, a produção com menores emissões continuará restrita a segmentos de menor valor agregado, comprometendo a competitividade industrial e a capacidade exportadora dos países.
Modernizar os sistemas de coleta e separação, apoiar pequenas e médias empresas recicladoras, revisar a tributação sobre a sucata, e promover certificações e mecanismos de rastreabilidade com credibilidade técnica são pré-requisitos para que a sucata desempenhe o papel relevante que pode ter. Esses esforços devem ser articulados com estratégias mais amplas, que incluam o financiamento de tecnologias industriais de baixo carbono e a definição de critérios técnicos e regulatórios claros para o chamado “aço verde”, produzido com rotas alternativas de baixo carbono.
* Isabella Scorzelli e Simone Klein são especialistas em Indústria do Instituto E+ Transição Energética.
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