
A ANM participa da criação de uma Coalizão Global para combater a mineração ilegal de ouro, visando a sustentabilidade, a rastreabilidade e o combate ao crime organizado.
Os governos nacionais, o Banco Mundial, o Conselho Mundial do Ouro (World Gold Council), o Fórum Intergovernamental sobre Mineração, Minerais, Metais e Desenvolvimento Sustentável (IGF), vinculado à Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), empresas privadas e representantes da sociedade civil se reuniram na segunda quinzena de setembro, em Paris, para debater a criação da Coalizão Global para Ação sobre a Mineração Artesanal e em Pequena Escala de Ouro (ASGM, na sigla em inglês). A Agência Nacional de Mineração (ANM) foi convidada para a reunião preparatória por meio do diretor-geral Mauro Sousa.
A nova Coalizão foi concebida como uma estrutura intergovernamental multissetorial, com base técnica e articulação política. A ANM foi convidada a participar da criação do Conselho Diretor global que definirá as diretrizes e os critérios de adesão e atuação. A proposta é que países como o Brasil possam integrar formalmente essa aliança, com o objetivo de elevar os padrões regulatórios e combater a fragmentação das normas internacionais sobre ouro, hoje aproveitada por redes criminosas e operações especulativas. "Não se trata apenas de regularizar o garimpo. Trata-se de construir caminhos para a dignidade, para a saúde pública e para a proteção da biodiversidade. O Brasil tem um papel decisivo nessa agenda e a ANM está pronta para contribuir com uma regulação técnica, equilibrada e integrada com outras áreas de governo", afirmou Mauro Sousa, diretor-geral da ANM.
Milhões de pessoas no mundo dependem direta ou indiretamente da mineração artesanal e em pequena escala, muitas vezes em condições precárias, com riscos à saúde, ao meio ambiente e aos direitos humanos. Responsável por cerca de 20% do ouro produzido globalmente, a ASGM opera majoritariamente fora de marcos legais e regulatórios. Essa informalidade abre espaço para violações ambientais, uso extensivo de mercúrio, exploração de trabalhadores, evasão fiscal, e uma conexão crescente com o crime organizado e redes de lavagem de dinheiro. A Coalizão Global se inspira na Iniciativa de Parceria Multissetorial (MSPI), desenvolvida pelo Banco Mundial e pelo Conselho Mundial do Ouro. A proposta é promover ações piloto em países-chave, articular o financiamento internacional, fortalecer a rastreabilidade do ouro e integrar pequenas operações produtivas às cadeias globais legais, respeitando o meio ambiente e os direitos das comunidades.
A disparada no preço internacional do ouro nos últimos anos tem estimulado uma corrida global pela extração informal e, em muitos países, dentre eles o Brasil, redes criminosas passaram a se infiltrar nos territórios mineradores, promovendo grilagem de terras, trabalho análogo à escravidão e uso de mercúrio em larga escala. A ausência de padronização internacional no controle e precificação do ouro facilita o escoamento de ouro ilegal para mercados legais, dificultando a fiscalização e impulsionando a lavagem de dinheiro em escala global. Segundo o Conselho Mundial do Ouro, mais de 80% da produção de ouro da ASGM no mundo não passa por canais formais. A entrada da ANM no debate internacional é uma oportunidade para propor soluções regulatórias que assegurem rastreabilidade, transparência e segurança jurídica para mineradores e compradores.
A coalizão deve impactar positivamente na redução do uso de mercúrio na mineração e a ASGM é responsável por boa parte das emissões globais desse metal tóxico. O mercúrio é utilizado de forma rudimentar para separar o ouro do cascalho e água, contaminando rios, peixes, trabalhadores e populações ribeirinhas. A introdução de tecnologias limpas, o acesso a financiamento e a assistência técnica para mineradores formais permitirão avançar no cumprimento da Convenção de Minamata (tratado internacional firmado em 2013, no Japão, para reduzir e controlar o uso de mercúrio) e gerar um ciclo virtuoso de saúde e sustentação ambiental nos territórios mineradores.
Nos últimos anos, o Brasil adotou uma série de medidas regulatórias para combater a mineração ilegal e tornar mais rígido o controle da cadeia do ouro. A crise humanitária Yanomami impulsionou uma resposta institucional coordenada, incluindo a exigência de Nota Fiscal Eletrônica para transações com ouro e o fim da presunção de boa-fé na comprovação da origem do metal, conforme decisão do Supremo Tribunal Federal. A ANM, em parceria com o Banco Central, estabeleceu normas de controle financeiro e publicou a Resolução nº 129/2023, que obriga o setor a adotar políticas de prevenção à lavagem de dinheiro e ao financiamento do terrorismo (PLD/FTP), enquanto a Receita Federal intensificou a fiscalização no aeroporto de Guarulhos, resultando na retenção de cargas de ouro de Distribuidoras de Títulos e Valores Mobiliários (DTVMs) sem comprovação adequada de origem. Essas ações integradas também têm repercussão nas estatísticas oficiais: segundo o Instituto Escolhas, a produção declarada de ouro caiu 84% após o início das medidas. A alta cotação internacional do ouro (acima de US$ 3.500 a onça) segue alimentando a produção clandestina, com estimativas de que 80% do ouro atualmente comercializado no país esteja fora do controle estatal.
Investigações apontam ainda a infiltração do crime organizado no setor. O chamado "narco garimpo", com atuação de facções como o PCC, utiliza o ouro como moeda de troca por armas e drogas, desviando o metal por rotas ilegais, sem recolhimento de tributos como a Compensação Financeira pela Exploração Mineral (CFEM), Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) e Imposto de Renda (IR). Para retomar o controle do mercado formal, cooperativas e instituições financeiras defendem a criação de um sistema estatal de rastreabilidade, que possibilite a conquista da credibilidade internacional, aumente a eficiência da fiscalização e promova a sustentabilidade da cadeia produtiva.
A ANM recomenda a formalização da mineração artesanal e de pequena escala e a implementação obrigatória de mecanismos robustos de rastreabilidade, além do fortalecimento de políticas socioambientais voltadas à redução do uso de mercúrio e à adoção de práticas responsáveis. Para a agência, o desafio é garantir que a transição para a formalidade seja viável, desburocratizada e sensível às especificidades culturais e sociais dos territórios onde está o garimpo. O Brasil é visto como um país-chave para o sucesso da Coalizão Global. A participação ativa da ANM, com suporte do governo federal, é essencial para estruturar uma Coalizão Nacional que possa servir de modelo a outros países do Sul Global. "A coalizão é uma oportunidade histórica para o Brasil liderar um novo paradigma para a pequena mineração: produtiva, formalizada, com respeito ao meio ambiente e às comunidades. A ANM está comprometida em colocar seu conhecimento técnico a serviço dessa transformação", destaca Mauro Souza.
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