Brasil Mineral Logo
ARTIGO

Extensionismo Mineral é Preciso

Por evando
Extensionismo Mineral é Preciso

Por: Deputado Federal Zé Silva* e Fernando A Freitas Lins**

Já passou da hora de o Brasil implantar um programa de assistência técnica a 6.000+ micro, pequenas e médias empresas (MPMEs) de mineração, a exemplo do que ocorre no extensionismo rural, que leva ao campo treinamento e acesso a inovações. O tema é há muito discutido. Recentemente, recebeu apoio do Ibram [1] e foi apresentada no 9º Encontro Nacional de Média e Pequena Mineração [2]. Apresentamos a seguir a justificativa para o extensionismo mineral e uma sugestão de fontes de recursos para o seu funcionamento permanente. Vejamos inicialmente, para fim de contexto, o perfil do setor de mineração, mostrado na figura.

As 7.600+ empresas apresentaram faturamento de aproximadamente R$ 300 bilhões ao ano, na média do período 2021-2024. O faturamento da mineradora é a base para o cálculo de recolhimento do royalty, segundo a Lei 13.540 de 2017 que trata da CFEM. A receita bruta total é assim uma proxy do Valor da Produção Mineral (VPM). Usando o critério do BNDES de classificação da receita bruta, verifica-se que:

  • 77 Grandes empresas (> R$ 300 milhões), cerca de 1% do total, respondem por 85% da receita bruta total do setor de mineração.
  • 1.300 Médias empresas (de R$ 4,8 a R$ 300 milhões), 14% do total, são responsáveis por 13% da receita do setor. As 70 médias empresas que faturam mais de R$ 78 milhões (6% da receita total) são obrigadas a declarar o imposto de renda pelo lucro real.
  • 2.400 Pequenas (de R$ 360 mil a R$ 4,8 milhões) e 3.800 Micros (até R$ 360 mil). As MPEs representam 82% do universo das empresas de mineração e contribuem com apenas 1,5% (1,4% + 0,1%) da receita bruta.

As grandes empresas, nacionais ou estrangeiras, adotam, em geral, tecnologias modernas e as boas práticas operacionais disponíveis. E têm acesso a incentivos como a Lei do Bem e financiamento e subsídios para inovação da FINEP, BNDES e EMBRAPII, entre outros. As médias empresas apresentam larga variação de desempenho operacional e ambiental, havendo muito espaço para o aprimoramento, principalmente na faixa menor de receita.

Já as mais de 6.000 MPEs não têm acesso como as grandes. Compõem o conjunto do que se costuma denominar de mineração em pequena escala [3].  O apoio a essas empresas no período 2000-2015 teve uma fase melhor, havendo, todavia, um apoio rarefeito nos últimos 10 anos. MME e MCTI e diversas agências governamentais financiaram vários projetos de diagnóstico e de assistência técnica, principalmente em Arranjos Produtivos Locais. (O Seminário Nacional de APLs de Base Mineral, que ocorre todo ano em estados diferentes, tem reconhecido e premiado os casos de APL com boas práticas.)

O estudo [3] reforça o entendimento de que a mineração em pequena escala precisa ser beneficiada com programas de extensionismo mineral, para superar a baixa inserção tecnológica e qualificação técnica da mão de obra.

Os programas apoiarão uma variedade de substâncias minerais, desde os minerais críticos e estratégicos, relevantes na atual geopolítica global, aos segmentos da mineração que são essenciais para a construção, a infraestrutura e a agricultura do país. Estes segmentos respondem por grande parte do número de MPMEs e também da produção física da mineração brasileira. A seguir, alguns dados divulgados pelas associações:

  • Agregados (ANEPAC): produção de 653 milhões toneladas (Mt)
  • Areia: 387 Mt e 2.500 empresas (60% de MPEs, 35% de médias e 5% de grandes) e 44 mil empregos
  • Brita: 266 Mt e 600 empresas (50% de MPEs, 35 % de médias e 15% de grandes) e 26 mil empregos.
  • Rochas Ornamentais e de Revestimento (ABIROCHAS): 10 Mt; 9 mil empresas (1 mil de lavra, 2 mil de beneficiamento e 6 mil de marmoria) e 110 mil empregos (20 mil, 30 mil e 60 mil, respectivamente).
  • Cerâmica Vermelha (ANICER): 8,2 bilhões de blocos e telhas; 5,6 mil empresas (cerâmicas e olarias).
  • Calcário Agrícola (ABRACAL): 60 Mt e 400 empresas.

Os APLs são potenciais beneficiários. Os números são imprecisos, mas anos atrás havia a estimativa de 60-80 APLs em operação. O Sistema OCB representa 80 cooperativas minerais, com mais de 38 mil garimpeiros cooperados. Em 2024, comercializaram 7 Mt e recolheram R$ 35 milhões de CFEM, atuando com substâncias como calcário, quartzo, ouro e diamante.

O extensionismo pode melhorar a eficiência operacional e energética e a gestão socioambiental. Com o uso da transformação digital, como a inteligência artificial, as soluções desenvolvidas devem ser escaláveis e flexíveis, contando possivelmente com o concurso de startups de mineração (mining techs). Isso contribuirá também para a melhor imagem do setor de mineração perante a sociedade.

O MME com a colaboração do MCTI e ANM, SGB e CETEM devem elaborar as diretrizes e a formatação de programas de extensionismo mineral. Com a ajuda de órgãos estaduais do setor e de associações representativas dos diversos segmentos em que predominam as MPEs. Isso favorece o desenho de programas para cada segmento e local/região e, portanto, com mais chance de sucesso na implementação e no impacto dos resultados.

Os programas poderão contar com a capilaridade do Sebrae e do Senai para treinamento gerencial e técnico. E com institutos de pesquisa e dezenas de universidades e IFES (48 cursos de graduação em geociências, 28 cursos em engenharia de minas, além de outras engenharias, e cerca de 50 cursos de mestrado e doutorado). Distribuídos pelos estados, poderão ser incentivados a participar desse desafio, com o engajamento de centenas de alunos.

Como fontes de recursos para custear os programas, cabe assinalar a tramitação do PL no 2.780/2024 na Câmara dos Deputados, com o objetivo de instituir a Política Nacional de Minerais Críticos e Estratégicos (PNMCE). O art. 14 do PL é um dos instrumentos de apoio à PNMCE: a obrigação de as grandes empresas de mineração (cerca de 80) investirem o mínimo de 0,40% da receita bruta em pesquisa e inovação tecnológica, equiparando ao percentual praticado por empresas do setor em outros países, iniciativa parlamentar que conta com o apoio do IBRAM [1].

Registra-se que, de modo análogo, o percentual mínimo de P&D já ocorre há mais de 25 anos nos setores de petróleo&gás (1,0%) e de energia elétrica (0,50%). No caso da mineração, estima-se em cerca de R$ 1 bilhão (R$ 300 bilhões x 0,85% x 0,004%) o montante mínimo ao ano a ser direcionado a P&D, contribuindo para a atualização tecnológica e a competitividade das empresas.

Para estruturar o Programa Nacional de Extensionismo Mineral, com fonte de recursos estáveis, sugerimos então a criação de um fundo a ser financiado pelas grandes empresas [4]: o Fundo Especial de Mineração (FEMin) – um fundo de natureza contábil e financeira e a salvo de bloqueios e contingenciamentos. O FEMin será alimentado por duas fontes:

  • 1% do mínimo obrigatório de 0,40% da receita bruta anual a ser investido em pesquisa tecnológica (cerca de R$ 10 milhões ao ano, considerando a estimativa do total de R$ 1 bilhão);
  • a diferença entre o dispêndio mínimo previsto de 0,40% em pesquisa tecnológica e o dispêndio anual efetivamente realizado (estimando-se em 5% a inadimplência das grandes empresas no cumprimento do investimento mínimo, cerca de R$ 50 milhões ao ano).

Finalizando, prevê-se que o FEMin poderá receber aportes de outras fontes, funcionará com a gestão operacional da Finep/MCTI e seguirá as diretrizes específicas elaboradas pelo Comitê de Minerais Críticos e Estratégicos, proposto no PL no 2.780/2024, no âmbito do MME.

Notas:

[1] Ver publicação Fundamentos para Políticas Públicas em Minerais Críticos e Estratégicos para o Brasil, 355 p., lançada em junho-2024 pelo IBRAM. A sugestão de criar um programa de extensionismo, uma das 41 propostas, está na página 349; a proposta de 0,40% da receita das grandes empresas para pesquisa tecnológica, na página 343. (https://share.google/5vMAnUdYLU3TEXaKJ)

[2] Apresentação do segundo autor no 9º Encontro Nacional de Média e Pequena Mineração, 24 a 26 de junho, em Goiânia-GO, organizado pela Brasil Mineral.

[3] Estudo de consultoria elaborado por Maria José G. Salum, em 2021, e revisado por Vânia Andrade, como subsídio à elaboração da minuta do PNM 2050: Desenvolvimento Sustentável na Indústria Mineral Brasileira, 194 p., no capítulo Mineração em Pequena Escala, p. 143-174. Fundação Gorceix.

[4] A sugestão de criação do FEMin e do Programa Nacional de Extensionismo Mineral foi encaminhada ao relator do PL no 2.780/2024, Deputado Federal Arnaldo Jardim, em 14 de agosto-2025, com a adição de parágrafos ao art. 14 do PL. A sugestão inclui também a criação de programa de geologia para os minerais críticos e estratégicos, com apoio do FEMin, a ser executado pelo Serviço Geológico do Brasil.

*Zé Silva. Engenheiro Agrônomo. Deputado Federal. Presidente da Frente Parlamentar de Mineração Sustentável. Autor do PL no 2.780/2024, que institui a Política Nacional de Minerais Críticos e Estratégicos (PNMCE).

**Fernando A F Lins. Engenheiro Metalurgista, Mestre e Doutor. Pesquisador Titular e ex-Diretor do CETEM/MCTI. Membro do Conselho Consultivo da Revista Brasil Mineral.

Carregando recomendações...

Artigos Relacionados