Lições e compromissos para a mineração do futuro e o futuro da mineração

O setor mineral, profundamente impactado pelas tragédias, passou por uma revisão ampla de suas práticas e valores.
Em novembro de 2015, o rompimento da barragem de Fundão, em Mariana (operada pela Samarco) chocou o Brasil e o mundo. O episódio provocou a morte de 19 pessoas, destruiu comunidades inteiras, comprometeu o meio ambiente ao longo de quilômetros e abalou a confiança da sociedade na capacidade do setor mineral de operar com segurança e responsabilidade.
Nos meses que se seguiram ao rompimento, as ações emergenciais se concentraram no atendimento às vítimas.
Em seguida foi analisada uma forma de como começar um processo de reparação que pudesse ser conduzido com vigilância institucional e social. Este processo foi complexo e demorado, culminando na criação da Fundação Renova cujo primeiro presidente foi o executivo Roberto Waack, uma pessoa que considero uma das vozes mais respeitadas em questões ambientais no Brasil. Fui convidado para ser o presidente do Conselho de Curadores, função que exerci nos dois primeiros anos da sua criação. No período que lá estive, preparamos toda uma estratégia com o objetivo de tornar a região atingida em um lugar melhor para se viver e investir, sem deixar de reconhecer que a perda de vidas era algo irreparável.
Estruturada como uma organização independente, sua missão foi coordenar e executar as ações de compensação e reparação dos danos causados. A ideia da sua criação foi positiva, pois buscava assegurar transparência, continuidade e governança compartilhada entre empresas, poder público e sociedade civil. No entanto, mesmo realizando importantes realizações, a Fundação não conseguiu atingir plenamente os propósitos para os quais foi criada. A principal razão, a meu ver, foi a complexidade de sua governança que envolvia múltiplas instâncias decisórias, diferentes interesses institucionais e uma burocracia que, em vários momentos, dificultava a governança e a capacidade de se dar maior foco à execução dos compromissos assumidos com os Estados de Minas e Espírito Santo, seus municípios e pessoas atingidas.
Este contexto levou à celebração de um novo acordo, no qual a Samarco passou a assumir diretamente a responsabilidade pelo cumprimento das obrigações de reparação e indenização, sob o acompanhamento das autoridades competentes. Esta mudança, incluindo aí o fechamento da Renova, representou a necessidade de simplificar a governança e dar maior foco ao que foi acordado.
Uma primeira lição que ficou dos fatos acima descritos é o reconhecimento da importância de modelos de gestão mais enxutos, eficazes e centrados em resultados mais rápidos e concretos.
Além disto, a tragédia, seguida pela de Brumadinho, expôs as fragilidades, nas empresas e no poder público, da governança de barragens no Brasil. O sistema regulatório disperso e carente de estrutura técnica foi submetido a uma revisão abrangente. Entre as respostas mais significativas, destaca-se a criação, em 2017, da Agência Nacional de Mineração, em substituição ao antigo DNPM, com o objetivo de modernizar a regulação e garantir maior autonomia técnica e administrativa. Infelizmente a Agência está longe de atender estes requisitos, sendo uma das razões a não liberação pelo Governo Federal dos recursos recolhidos pelo setor através da CFEM (vide publicação recente de artigo que publiquei na Brasil Mineral com o título – “A Agência que ainda não conseguiu exercer o seu papel).
Outro fato importante foi o estabelecimento da Política Nacional de Segurança de Barragens na qual foram introduzidas exigências mais rigorosas de estabilidade, monitoramento e transparência, com a obrigatoriedade de auditorias independentes, planos de emergência e comunicação contínua com as comunidades potencialmente afetadas.
O setor mineral, profundamente impactado pelas duas tragédias, passou por uma revisão ampla de suas práticas e valores. Empresas de diferentes portes investiram em novas tecnologias de monitoramento, em modelos de governança mais transparentes e em canais de diálogo com as comunidades. Ë importante também citar que as áreas de sustentabilidade e a valorização da cultura de prevenção passaram a fazer parte da rotina operacional o que também foi impulsionado pela pressão de investidores, órgãos reguladores e opinião pública.
Se por um lado, o setor é reconhecido pelas riquezas que gera, importante para o desenvolvimento econômico e social do País, a tragédia de Mariana, agravada com a de Brumadinho, afetou a imagem do segmento. Reconstruir a confiança pública é, ainda, um dos desafios da indústria mineral brasileira.
Passados dez anos, o balanço das mudanças revela avanços significativos, mas também ainda nos mostra lacunas. É notório que aconteceram mudanças importantes na legislação e no comportamento das empresas.
As duas tragédias não podem ser lembradas apenas como um ponto de ruptura, mas como um chamado permanente à responsabilidade coletiva. O futuro da mineração depende de um pacto ético e institucional que una empresas, governo, academia e sociedade em torno de um objetivo comum: assegurar que a atividade mineral seja fonte de desenvolvimento e nunca mais de dor e destruição.
A reparação das áreas afetadas pela tragédia de Mariana continua em curso e conhecendo a Samarco e o comprometimento da sua equipe de gestores eu não tenho dúvidas que aquela visão de transformar a região afetada em melhor local para se viver e investir tem tudo para ser alcançada.
Os recursos financeiros a serem aplicados permitirão que isto aconteça, mas cabe aqui um alerta aos municípios que receberão estes recursos. Com o fim da fase mais crítica das indenizações, é natural que haja uma certa acomodação e redução das cobranças pelas pessoas diretamente atingidas. Por isso reforço que é fundamental a participação ativa da sociedade civil e lideranças locais para garantir que os recursos sejam aplicados em projetos estruturantes e transformadores.
É este o caminho para que o Brasil transforme uma das páginas mais tristes da sua história recente em um exemplo duradouro de aprendizado, reconstrução e evolução institucional, reconhecendo sempre que as vidas que foram perdidas nunca poderão ser recuperadas.
Por Wilson Brumer – Conselheiro da revista Brasil Mineral e ex-presidente da Vale, Acesita, Usiminas e Presidente dos Conselhos do IBRAM e da BHP Billiton no Brasil
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