
Clístenes Nascimento (*)
A mineração é uma atividade essencial para a obtenção de recursos minerais indispensáveis à sociedade moderna. O setor responde por aproximadamente 20% das exportações nacionais, representando cerca de 5% do PIB e 47% do saldo da balança comercial brasileira em 2024, de acordo com o Instituto Brasileiro de Mineração (IBRAM). Apesar de sua importância estratégica, a mineração tradicional gera impactos ambientais significativos que precisam ser avaliados e mitigados. Esses impactos variam conforme o tipo de minério explorado, as técnicas utilizadas e as medidas de mitigação adotadas. Os métodos convencionais de extração mineral enfrentam limitações ambientais e econômicas, sobretudo em depósitos de baixo teor, nos quais a viabilidade comercial é reduzida. Além disso, os rejeitos de mineração e os solos degradados pelas atividades extrativas contribuem para a contaminação ambiental, aumentam as emissões de gases de efeito estufa e podem afetar negativamente comunidades locais. Para superar esses desafios, o setor mineral pode integrar soluções baseadas na natureza. Nesse contexto, ganhou destaque a criação, com recursos do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), do Instituto Nacional de Biotecnologias para o Setor Mineral (INABIM), uma rede que reúne 40 pesquisadores de todas as regiões do Brasil, além de 11 cientistas da Europa e dos Estados Unidos.
Uma das linhas de pesquisa do INABIM envolve o estudo de plantas hiperacumuladoras de metais, espécies raras (apenas 0,2% das espécies vegetais conhecidas) que conseguem concentrar em suas folhas quantidades de elementos como níquel, zinco, cobre, manganês e terras raras em níveis dezenas a milhares de vezes superior ao das plantas comuns, a exemplo das hiperacumuladoras de níquel (Lippia lupulina) e de zinco (Capparidastrum frondosum). O aproveitamento dessas espécies, por meio da combustão controlada da biomassa e posterior recuperação dos metais a partir das cinzas, dá origem a uma biotecnologia inovadora conhecida como agromineração. Essa abordagem já apresenta avanços expressivos, com liderança de pesquisadores franceses e holandeses que fazem parte do INABIM, em países como Indonésia e Albânia, mas ainda está em fase inicial no Brasil.
Um dos principais gargalos nacionais é a identificação de espécies nativas com potencial para aplicação em agromineração. Para enfrentar essa limitação, pesquisadores do INABIM vêm utilizando uma abordagem inovadora: a fluorescência de raios X portátil (FRXp) aplicada em larga escala a acervos de herbários. Essa técnica já permitiu a triagem de cerca de 12 mil espécimes em coleções de herbários de Pernambuco, Bahia, Distrito Federal e Amazonas, resultando na descoberta de diversas espécies nativas hiperacumuladoras de níquel, cobalto, zinco, manganês e alumínio. O trabalho segue em andamento e deve revelar novas espécies com potencial para serem utilizadas tanto na recuperação de metais em minérios de baixo teor e rejeitos quanto na descontaminação de áreas impactadas por metais pesados.
A agromineração desponta como uma alternativa estratégica para o futuro do setor mineral no Brasil. Essa biotecnologia alia recuperação econômica e mitigação ambiental, sendo capaz de transformar minérios de baixo teor, rejeitos, áreas degradadas e até barragens descaracterizadas em fontes produtivas. Ao converter passivos ambientais em ativos de valor, a agromineração representa não apenas uma inovação tecnológica, mas também uma oportunidade concreta de integrar a mineração brasileira aos princípios da sustentabilidade e da economia circular. Em um mundo em transição energética e ecológica, em que a demanda por metais críticos cresce de forma acelerada, o Brasil tem enorme potencial para liderar essa área emergente. Com uma biodiversidade única e solos ricos em metais, os chamados solos ultramáficos, o país reúne condições naturais para se tornar referência global em agromineração.
Apesar dos avanços recentes, ainda há um caminho longo a percorrer para que a agromineração seja adotada em larga escala no Brasil. O primeiro desafio é científico: é necessário ampliar o mapeamento e a caracterização das espécies hiperacumuladoras nativas, bem como compreender seus mecanismos fisiológicos e ecológicos de adaptação aos solos metalíferos. Sem esse conhecimento de base, torna-se difícil selecionar plantas com maior potencial de uso e desenvolver estratégias agronômicas para seu cultivo em condições reais de campo. Outro ponto crucial é o desenvolvimento tecnológico. A agromineração demanda protocolos eficientes para o manejo das plantas, desde o cultivo até a colheita e o processamento da biomassa. Isso inclui definir sistemas de plantio que garantam alta produtividade, técnicas seguras de secagem e incineração, além de métodos economicamente viáveis de extração e refino dos metais contidos nas cinzas.
O INABIM está estruturado justamente para enfrentar esses desafios. A rede reúne competências diversas, desde a botânica e a ecologia até a engenharia de processos e a química ambiental, criando um ambiente multi e interdisciplinar capaz de transformar conhecimento científico em soluções tecnológicas aplicáveis. Essa integração nacional e internacional é fundamental para acelerar o desenvolvimento da agromineração no país, permitindo o intercâmbio de metodologias, a validação de resultados e a formação de recursos humanos altamente qualificados.
No entanto, para que esses avanços não fiquem restritos ao âmbito acadêmico, é imprescindível o envolvimento ativo do setor mineral. Apenas com a participação de empresas será possível viabilizar projetos de escala piloto, testar modelos de cultivo em áreas reais de mineração e estruturar cadeias produtivas que conectem a pesquisa científica ao mercado. A parceria entre ciência e setor produtivo abre espaço para benefícios concretos, como a economia circular, ao reintegrar metais recuperados no próprio ciclo produtivo; a bioeconomia, ao valorizar o uso sustentável da biodiversidade brasileira; e a descarbonização, ao reduzir emissões associadas à mineração tradicional. Dessa forma, a agromineração pode deixar de ser uma promessa e tornar-se um pilar da mineração sustentável, conciliando competitividade econômica, preservação ambiental e desenvolvimento social.
(*) Professor Titular da UFRPE e coordenador do Instituto Nacional de Biotecnologias para o Setor Mineral
Carregando recomendações...